Os tribunais têm entendido que o comprador que primeiro registrou o
imóvel fica com ele e o comprador que não promoveu o registro tem apenas
o direito de cobrar do vendedor os danos materiais e morais que
eventualmente tenha suportado.
O brasileiro é conhecido por deixar tudo para a última hora, pelo
chamado “jeitinho brasileiro” e por não se ater tanto às formalidades.
Criou-se a cultura de não considerar importantes os detalhes, já que há a
mentalidade de que sempre se poderá achar alguma brecha nos
procedimentos e, ao final, “tudo vai dar certo”. Essa cultura, no
entanto, não pode ser levada para as transações imobiliárias que, por
serem solenes, devem observar uma forma legal para serem válidas e
oponíveis perante terceiros.
Um ato solene é que aquele que deve observar uma série de formalidades
para que seja plenamente válido. O casamento, o testamento e a venda de
um imóvel são exemplos de atos solenes. Nessas hipóteses, se uma das
formalidades legais não for respeitada, pode ocorrer a anulação do ato
ou ele pode até ser tido como inexistente.
Como se disse, a transferência de um imóvel é um ato solene. Isso se dá
porque a propriedade tem uma característica peculiar em relação aos
outros direitos, qual seja, o fato de ser oponível a todos que não são
proprietários da coisa. Essa característica é comum aos outros Direitos
Reais, dos quais a propriedade é um exemplo. Isso quer dizer,
basicamente, que se uma pessoa é proprietária de um bem, todas as outras
tem que respeitar essa propriedade.
A existência de um proprietário de uma coisa móvel, como veículos e
eletrônicos, é fácil de ser constatada, já que geralmente o proprietário
é aquele que está na posse da coisa no momento. Em relação à
propriedade de coisas imóveis, como terrenos, casas e apartamentos, essa
pode ser difícil de ser constatada, pois nem sempre o dono do imóvel
está no local para aparentar ser o proprietário. Isso se dá em razão da
imobilidade da coisa. O proprietário pode viajar e se afastar bastante e
por muito tempo do seu bem, por exemplo, porém continua sendo o
proprietário.
Diante dessa realidade, surge a importância dos cartórios de imóveis,
que são responsáveis pelo registro da propriedade e de outros elementos
importantes a respeito dos imóveis. A função do cartório de registro de
imóveis é justamente a de dar publicidade a informações relevantes a
respeito de um imóvel, como a descrição, os confinantes, o histórico dos
proprietários, quem prometeu comprá-lo e outros dados essenciais.
No cartório de registro de imóveis, qualquer pessoa pode ter acesso aos
dados fundamentais de um bem. Essa publicidade das informações a
respeito dos imóveis se faz necessária para que a propriedade e outros
direitos reais relativos a eles sejam oponíveis a terceiros. Cada bem
tem uma matrícula no cartório registral responsável pelos imóveis de sua
localidade. Nessa matrícula, que é numerada em ordem crescente, é que
são registrados todos os dados a respeito do imóvel.
O registro das transações imobiliárias tem, portanto, o escopo de dar
segurança aos negócios jurídicos, conferindo autenticidade, eficácia e
publicidade a elas. Na venda de imóveis, o registro da transferência de
propriedade no cartório é ato sem o qual ela não se aperfeiçoa. A Lei
dos Registros Públicos, Lei Federal 6.015, em seu artigo 167, diz o que
deve ser registrado em cada matrícula de imóvel. Vejam-se as hipóteses
mais comuns:
Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos.
I - o registro:
1) da instituição de bem de família;
2) das hipotecas legais, judiciais e convencionais;
3) dos contratos de locação de prédios, nos quais tenha sido
consignada cláusula de vigência no caso de alienação da coisa locada;
(...)
9) dos contratos de compromisso de compra e venda de cessão deste e de
promessa de cessão, com ou sem cláusula de arrependimento, que tenham
por objeto imóveis não loteados e cujo preço tenha sido pago no ato de
sua celebração, ou deva sê-lo a prazo, de uma só vez ou em prestações;
(…)
17) das incorporações, instituições e convenções de condomínio;
18) dos contratos de promessa de venda, cessão ou promessa de cessão
de unidades autônomas condominiais a que alude a Lei nº 4.591, de 16 de
dezembro de 1964, quando a incorporação ou a instituição de condomínio
se formalizar na vigência desta Lei; (...)
21) das citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis; (...)
24) das sentenças que nos inventários, arrolamentos e partilhas,
adjudicarem bens de raiz em pagamento das dívidas da herança; (...)
29) da compra e venda pura e da condicional;
30) da permuta;
31) da dação em pagamento; (...)
33) da doação entre vivos; (…)
35) da alienação fiduciária em garantia de coisa imóvel. (…)
Percebe-se, do teor da norma supracitada, a importância que a Lei dá
para o registro dos bens imóveis. Na prática, no entanto, o brasileiro
ainda não confere o devido valor para o registro dos negócios
imobiliários em que é sujeito, sendo muitas vezes negligente no que
pertine ao registro de compra e venda de imóveis, de doação, de
contratos de promessa de compra e venda, entre outras hipóteses de
registro.
Essa negligência acaba gerando diversas situações desconfortáveis que
poderiam ser evitadas ou mais facilmente combatidas, se tudo tivesse o
devido registro.
O exemplo clássico de situação que poderia ser amenizada com o registro
de todas as transações relativas a um imóvel é o da venda dupla. Nesse
caso, o mesmo imóvel é vendido duas vezes a compradores diferentes. Em
hipóteses como essa, os Tribunais têm entendido que o verdadeiro
proprietário do imóvel não é o que primeiro prometeu comprar e pagou o
preço, mas o que efetivamente finalizou a compra, registrando a
transação no cartório. Pouco importa quem foi o primeiro comprador, o
proprietário é o que está assim qualificado na matrícula do imóvel.
As decisões reiteradas dos tribunais têm entendido que, nessas
situações, o comprador que primeiro registrou o imóvel fica com ele e o
comprador que não promoveu o registro tem apenas o direito de cobrar do
vendedor os danos materiais e morais que eventualmente tenha suportado.
O imóvel não será garantia da indenização a ser paga, o comprador lesado
terá que retirar a indenização do patrimônio do vendedor, excetuado o
imóvel. Isso no caso de os dois compradores serem vítimas do vendedor
fraudulento. Se for a hipótese de um dos compradores ter agido em coluio
com o vendedor, o prejudicado pode tentar ficar com a propriedade do
imóvel, através de um longo processo judicial, que poderia ser evitado
se tivesse promovido o registro da compra e venda.
Há outra situação clássica em que o registro correto do negócio jurídico
pode facilitar e muito a defesa do comprador bem intencionado, qual
seja, a em que a pessoa que prometeu vender o imóvel falece antes da
assinatura da escritura pública. Se a promessa de compra e venda estiver
registrada na matrícula do imóvel, pode-se obrigar, mais facilmente e
se for previsto na promessa, que os herdeiros do promitente vendedor
assinem a escritura de venda do imóvel.
Com o aquecimento do mercado imobiliário e o aumento dos valores dos
imóveis, fica mais arriscado “deixar para depois” o registro dos
negócios relativos a eles, já que as quantias envolvidas são
consideráveis, além de todo o fator psicológico, da “realização do sonho
da casa própria”, que pode ser frustrado se o comprador não se atentar a
todas as formalidades na concretização de uma transação imobiliária.
Deve-se criar, portanto, a consciência de que o registro de cada
transação imobiliária é importantíssimo para a segurança, a validade, a
eficácia e a oponibilidade delas a terceiros.
Advogado da Banca Carlos Henrique Cruz Advocacia. Formado em 2009 pela Universidade Federal do Ceará.