A primeira lei de Newton (1642-1727) diz que se não há forças aplicadas
num corpo ele se mantém em repouso ou em movimento retilíneo e uniforme.
No campo da política, o paradigma proposto por Newton para descrever o
princípio da inércia merece certa reflexão.
No que diz respeito aos objetivos deste artigo, há uma componente capaz de frear um corpo em movimento denominada atrito, o que em política, pode ser chamada de resistência popular organizada. Esta força, por sua vez, pode também mover um corpo para uma outra direção e um novo sentido.
A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República foi o resultado de um processo de lutas democráticas cuja esperança era modificar os rumos do País. Não se esperava, entretanto, que haveria mudança drástica da noite para o dia. Por outro lado, os eleitores de Lula esperavam que ele encarasse os problemas enfrentados pelos milhões de brasileiros e brasileiras que depositaram nas eleições de 2002 suas esperanças de viver em um país mais próspero, democrático e eqüitativo.
Infelizmente, o dogmático Consenso de Washington (1987) – privatização, desregulamentação dos mercados e austeridade fiscal - ainda impera no Brasil. Os ideólogos e seguidores deste paradigma não se cansam de dizer: “estamos em tempos de globalização”. O que hoje se convenciona chamar “globalização” não é um fenômeno recente. Como bem observam Giovanni Arrighi – “O longo século XX” – e Immanuel Wallerstein – “Capitalismo histórico & civilização capitalista” -, a globalização tem pelo menos 500 anos. Durante este tempo, ocorreram mudanças no comando do processo, composto por três dimensões interligadas do exercício de hegemonia: a militar; a econômica; e a ideológica. A intensidade e o alcance do processo também se fazem sentir ao longo do tempo. Para a periferia do sistema economia-mundo, o resultado tem sido historicamente o mesmo: desenvolvimento socioeconômico travado, ou seja, recursos localizados no território nacional subutilizados e controlados em grande parte, diretamente ou indiretamente, por empresas transnacionais dos centros de poder.
Em “A globalização e seus malefícios”, Joseph Stiglitz, Nobel de Economia 2001, retrata de forma clara os resultados do Consenso de Washington para a periferia do sistema. Para o Brasil, Stiglitz levanta a seguinte reflexão: quando o FMI e o governo brasileiro gastaram aproximadamente 50 bilhões de dólares para manter a taxa cambial em um nível supervalorizado no fim de 1998, onde foi parar o dinheiro? Responsabilidade e prestação de contas nunca foram o forte dos agentes públicos brasileiros. No Brasil, a economia política dos ideólogos do poder ganha, em muitas ocasiões, ares de empulhação.
FHC era na época candidato à reeleição e o “populismo cambial” era o seu principal mote de campanha. De fato, não havia, dado o regime cambial da época, como lutar contra a fuga de capitais. Mas será que os então “sábios” da equipe econômica acreditavam que aquele regime era sustentável? Que FHC não tivesse compromisso com o povo brasileiro era até esperado, dado o seu caráter cosmopolita. De Lula, no entanto, a nação, pelo menos o segmento mais consciente da população, espera uma administração mais voltada para o desenvolvimento socioeconômico. Infelizmente, o primeiro semestre do governo Lula e o deslumbramento com o poder por parte de alguns membros da administração, revelam que mudança, diz o princípio da inércia, só se for no plano do discurso.
Muitos dizem que criticar é fácil, pois isto qualquer um pode fazer. Propor soluções, por outro lado, é onde se encontra o problema. Se o governo Lula tivesse que “reinventar a roda”, o Brasil estaria certamente perdido. Mas este, definitivamente, não é o caso. Os “sábios” da atual equipe econômica, por exemplo, poderiam olhar como o Tesouro dos EUA opera em sintonia com o Fed, banco central norte-americano. Segundo consta no estatuto do Fed, ele tem a obrigação de se preocupar não somente com a inflação, mas também com questões relativas ao emprego e o crescimento econômico dos EUA. Deve-se notar que os norte-americanos, por sua vez, não indexam tarifas públicas nem títulos públicos a uma moeda estrangeira. Por que e em nome de que(m) o Brasil deve abrir mão de sua soberania para implementar uma política monetária e fiscal voltada para a expansão e a manutenção das oportunidades de trabalho remunerado?
É claro que para operar em prol do desenvolvimento socioeconômico brasileiro, o Banco Central necessita de mecanismos de controle dos fluxos de capitais. O caso Banestado da remessa ilegal de 30 bilhões de dólares para fora do Brasil demonstra o desmonte e a fragilidade dos controles do BC. Como pode, desta forma, o Governo Federal executar o gasto público que gere efeitos multiplicadores positivos na economia nacional?
Ao governo Lula segue um aviso: não será com a recauchutagem do continuísmo que o País sairá da atual situação, pois as políticas de não-intervenção no domínio econômico, baseadas no liberalismo do século XIX, formam um modelo simplista e irreal da economia de mercado. Como bem demonstraram John M. Keynes e Karl Polanyi, uma economia de mercado necessita de regulação pública eficaz para ser democrática. Em síntese: ou se contém a participação democrática, restringindo a cidadania e o direito ao trabalho, ou se elaboram regras e métodos de controle do movimento de capitais para ampliar a cidadania e a participação democrática.
Não há como fugir da reorientação da política econômica: controle de fluxos de capitais (imposto regressivo, por exemplo); gradual desindexação cambial de tarifas e títulos públicos pela concepção e implementação de uma política industrial, tecnológica e comercial que amplie o saldo comercial nacional, suportando conseqüentemente problemas cíclicos no balanço de pagamentos; sintonizar ações da Fazenda e do BC para uma política econômica voltada para a expansão e a manutenção das oportunidades de trabalho remunerado e que contemple as disparidades regionais com desenvolvimento socioeconômico, o que terá impacto positivo na arrecadação dos municípios, dos estados e da União; e programas de obras públicas em infra-estrutura.
Não será tirando “nota 10” de bom comportamento no mercado financeiro e tampouco aprofundando o modelo neoliberal herdado de FHC que o governo Lula honrará os seus compromissos históricos com povo brasileiro e com aqueles(as) intelectuais que tanto lutaram para que ele fosse o líder transformador da realidade nacional. Qualquer pacote de reformas orientadas pelo FMI, reconhecido por refletir os interesses do capitalismo rentista, será inútil se o Brasil passar por outra década medíocre.
No que diz respeito aos objetivos deste artigo, há uma componente capaz de frear um corpo em movimento denominada atrito, o que em política, pode ser chamada de resistência popular organizada. Esta força, por sua vez, pode também mover um corpo para uma outra direção e um novo sentido.
A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República foi o resultado de um processo de lutas democráticas cuja esperança era modificar os rumos do País. Não se esperava, entretanto, que haveria mudança drástica da noite para o dia. Por outro lado, os eleitores de Lula esperavam que ele encarasse os problemas enfrentados pelos milhões de brasileiros e brasileiras que depositaram nas eleições de 2002 suas esperanças de viver em um país mais próspero, democrático e eqüitativo.
Infelizmente, o dogmático Consenso de Washington (1987) – privatização, desregulamentação dos mercados e austeridade fiscal - ainda impera no Brasil. Os ideólogos e seguidores deste paradigma não se cansam de dizer: “estamos em tempos de globalização”. O que hoje se convenciona chamar “globalização” não é um fenômeno recente. Como bem observam Giovanni Arrighi – “O longo século XX” – e Immanuel Wallerstein – “Capitalismo histórico & civilização capitalista” -, a globalização tem pelo menos 500 anos. Durante este tempo, ocorreram mudanças no comando do processo, composto por três dimensões interligadas do exercício de hegemonia: a militar; a econômica; e a ideológica. A intensidade e o alcance do processo também se fazem sentir ao longo do tempo. Para a periferia do sistema economia-mundo, o resultado tem sido historicamente o mesmo: desenvolvimento socioeconômico travado, ou seja, recursos localizados no território nacional subutilizados e controlados em grande parte, diretamente ou indiretamente, por empresas transnacionais dos centros de poder.
Em “A globalização e seus malefícios”, Joseph Stiglitz, Nobel de Economia 2001, retrata de forma clara os resultados do Consenso de Washington para a periferia do sistema. Para o Brasil, Stiglitz levanta a seguinte reflexão: quando o FMI e o governo brasileiro gastaram aproximadamente 50 bilhões de dólares para manter a taxa cambial em um nível supervalorizado no fim de 1998, onde foi parar o dinheiro? Responsabilidade e prestação de contas nunca foram o forte dos agentes públicos brasileiros. No Brasil, a economia política dos ideólogos do poder ganha, em muitas ocasiões, ares de empulhação.
FHC era na época candidato à reeleição e o “populismo cambial” era o seu principal mote de campanha. De fato, não havia, dado o regime cambial da época, como lutar contra a fuga de capitais. Mas será que os então “sábios” da equipe econômica acreditavam que aquele regime era sustentável? Que FHC não tivesse compromisso com o povo brasileiro era até esperado, dado o seu caráter cosmopolita. De Lula, no entanto, a nação, pelo menos o segmento mais consciente da população, espera uma administração mais voltada para o desenvolvimento socioeconômico. Infelizmente, o primeiro semestre do governo Lula e o deslumbramento com o poder por parte de alguns membros da administração, revelam que mudança, diz o princípio da inércia, só se for no plano do discurso.
Muitos dizem que criticar é fácil, pois isto qualquer um pode fazer. Propor soluções, por outro lado, é onde se encontra o problema. Se o governo Lula tivesse que “reinventar a roda”, o Brasil estaria certamente perdido. Mas este, definitivamente, não é o caso. Os “sábios” da atual equipe econômica, por exemplo, poderiam olhar como o Tesouro dos EUA opera em sintonia com o Fed, banco central norte-americano. Segundo consta no estatuto do Fed, ele tem a obrigação de se preocupar não somente com a inflação, mas também com questões relativas ao emprego e o crescimento econômico dos EUA. Deve-se notar que os norte-americanos, por sua vez, não indexam tarifas públicas nem títulos públicos a uma moeda estrangeira. Por que e em nome de que(m) o Brasil deve abrir mão de sua soberania para implementar uma política monetária e fiscal voltada para a expansão e a manutenção das oportunidades de trabalho remunerado?
É claro que para operar em prol do desenvolvimento socioeconômico brasileiro, o Banco Central necessita de mecanismos de controle dos fluxos de capitais. O caso Banestado da remessa ilegal de 30 bilhões de dólares para fora do Brasil demonstra o desmonte e a fragilidade dos controles do BC. Como pode, desta forma, o Governo Federal executar o gasto público que gere efeitos multiplicadores positivos na economia nacional?
Ao governo Lula segue um aviso: não será com a recauchutagem do continuísmo que o País sairá da atual situação, pois as políticas de não-intervenção no domínio econômico, baseadas no liberalismo do século XIX, formam um modelo simplista e irreal da economia de mercado. Como bem demonstraram John M. Keynes e Karl Polanyi, uma economia de mercado necessita de regulação pública eficaz para ser democrática. Em síntese: ou se contém a participação democrática, restringindo a cidadania e o direito ao trabalho, ou se elaboram regras e métodos de controle do movimento de capitais para ampliar a cidadania e a participação democrática.
Não há como fugir da reorientação da política econômica: controle de fluxos de capitais (imposto regressivo, por exemplo); gradual desindexação cambial de tarifas e títulos públicos pela concepção e implementação de uma política industrial, tecnológica e comercial que amplie o saldo comercial nacional, suportando conseqüentemente problemas cíclicos no balanço de pagamentos; sintonizar ações da Fazenda e do BC para uma política econômica voltada para a expansão e a manutenção das oportunidades de trabalho remunerado e que contemple as disparidades regionais com desenvolvimento socioeconômico, o que terá impacto positivo na arrecadação dos municípios, dos estados e da União; e programas de obras públicas em infra-estrutura.
Não será tirando “nota 10” de bom comportamento no mercado financeiro e tampouco aprofundando o modelo neoliberal herdado de FHC que o governo Lula honrará os seus compromissos históricos com povo brasileiro e com aqueles(as) intelectuais que tanto lutaram para que ele fosse o líder transformador da realidade nacional. Qualquer pacote de reformas orientadas pelo FMI, reconhecido por refletir os interesses do capitalismo rentista, será inútil se o Brasil passar por outra década medíocre.
Fonte: http://www.economiabr.net/colunas/medeiros/inercia.html
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