A ideologia do progresso
As ciências
sociais, em especial a sociologia, foi marcada desde o seu nascimento pela
idéia de progresso. Grande parte dos teóricos sociais do século XIX tiveram, de
alguma forma, uma forte influência desta ideologia. Tentar-se-á demonstrar
neste item como a ideologia do progresso esteve presente em alguns autores
relevantes para as ciências sociais, respondendo as seguintes perguntas: o que
seria esta ideologia? Quais os seus pressupostos? Qual a sua importância junto
à teoria sociológica?
A ideologia do progresso
está intimamente relacionada a uma nova forma de perceber e conceber a ciência
e a natureza. Na Idade Moderna, devido ao rápido avanço das ciências, a
natureza começou a ser entendida como uma somatória de partes, que podia ser
explorada de forma crescente. A natureza, neste momento, se dessacralizou e a
idéia de um progresso contínuo substituiu as concepções cíclicas de produção
(FOLADORI, 2001). Apesar deste sistema de idéias tomar forma no século XVIII,
ele atingiu o senso comum após o desencadeamento da Revolução Industrial
(LOBÃO, 1998). Esta nova relação com a natureza e o desencadeamento da noção de
progresso foi fundamental para o entendimento da relação natureza e sociedade,
sendo que esta conflituosa relação viria tomar corpo teórico na década de 70 do
século XX, através dos escritos dos chamados ecologistas radicais, como
Jean-Pierre Dupuy, Ivan Illich, entre outros.
A idéia de progresso deve ser compreendida, ainda, como fruto das virtudes
morais e espirituais dos seres humanos em direção à felicidade. Está também
intimamente ligada à capacidade do homem em resolver seus problemas materiais
que são colocados pela natureza. Dito de uma outra forma, progredir significa
avançar no caminho científico e artístico para a solução dos problemas postos
para o homem (LOBÃO, 1998).
Herman (1999) demonstra que o progresso pode e deve ser entendido como um
avanço de ordem econômica, onde o homem conquista sua vida de forma cada vez
mais produtiva e satisfatória, ultrapassando vários limites e etapas – da busca
de alimentos, do pastoreio, da agricultura, do comércio, até chegar à etapa
industrial. Este paradigma de que o homem corre rumo a um futuro de felicidade
e comodidade material esteve presente em boa parte dos escritos clássicos da
sociologia – entre estes destacam-se, dentre muitos outros, Marx, Comte,
Condorcet, Turgot, Spencer. Todos estes autores tinham de forma clara em suas
obras uma visão progressiva do desenvolvimento da sociedade. Ou, dito de uma
outra forma, estes teóricos entendiam o processo histórico como uma ascensão
lenta, objetiva e gradual ao fim almejado, qual seja, de comodidade material e
felicidade (NISBET, 1985).
Cabe ressaltar que,
conseqüentemente, os teóricos sociais do começo do século XX, em sua grande
parte, partilhavam desta crença no progresso. A fim de ilustrar o quão
importante a ideologia do progresso foi para a formação da tradição do
pensamento das ciências sociais, optou-se por mostrar, embora de forma sucinta,
o quanto esta idéia influenciou o pensamento de alguns autores emblemáticos,
para uma melhor compreensão e análise da questão.
Destes autores
influenciados por esta ideologia, Condorcet (1993), por exemplo, desenvolveu em
suas obras uma lei do progresso. Este pensador elaborou as etapas da história
pela qual a sociedade deveria passar, do mundo selvagem até um futuro de
felicidade, que deveria ser dominado pela razão científica. Na visão de
Condorcet (1993) o homem é um ser perfectível e o decorrer da história mostra o
seu aperfeiçoamento. As obras deste autor influenciaram de forma grandiosa
as ciências sociais, em especial a sociologia (NISBET, 1985).
Em Comte (1990),
considerado um autor de grande importância nas ciências sociais e na sociologia
em especial, a ideologia do progresso podia ser vislumbrada quando este divide
a ciência sociológica em duas amplas áreas de conhecimento: a estatística e a dinâmica.
Na primeira área o objeto sociológico é a ordem, a estabilidade e o progresso
social. A segunda área, a dinâmica, consiste no estudo do progresso
propriamente dito, suas leis, estágios, causas e manifestações. Para este, a
concepção de progresso como lei científica pertence somente à sociologia
(NISBET, 1985).
Em Karl Marx
pode-se perceber a presença desta ideologia quando atenta-se ao entendimento
que possui da história, principalmente através da leitura de algumas obras
fundamentais, como Manifesto comunista ou A ideologia alemã. Na primeira
obra, Marx (1998) nos mostra a evolução da história humana, que se inicia
no contexto selvagem e ruma até chegar na etapa capitalista. Em A ideologia
alemã, Marx e Engels (1993, p.47) apontam um futuro melhor para a
sociedade, caracterizada pelo comunismo,
(...) onde
cada um não tem uma esfera de atividade exclusiva, mas pode aperfeiçoar-se no
ramo que lhe apraz, a sociedade regula a produção geral, dando-me assim a
possibilidade de hoje fazer tal coisa, amanhã outra, caçar pela manhã, pescar à
tarde, criar animais ao anoitecer, criticar após o jantar, segundo meu desejo,
sem jamais tornar-me caçador, pescador, pastor ou crítico.