* Ecio Rodrigues
Instituído em meio a grande polêmica, o Programa Terra Legal, do governo
federal, não consegue avançar para solucionar o antigo e extremamente grave
problema fundiário da Amazônia. Desde 2009, quando o programa foi implantado
pela via do autoritarismo que cerca a edição de medidas provisórias pelo Executivo,
tem-se discutido muito, polemizado bastante, mas não se resolveu quase nada.
À época, sob a tutela da Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República, então ocupada por Mangabeira Unger, chegou-se a
conclusão (evidente, diga--se) de que as dúvidas jurídicas relacionadas à
propriedade das terras em regiões como a Amazônia se configurava no maior e
mais elementar entrave para se pôr em prática qualquer tipo de modelo de
desenvolvimento.
Como sempre, o problema real estava (e permanece) na Amazônia, mas a
incapacidade intrínseca da tecnocracia de Brasília para a objetividade fez com
que o programa tivesse abrangência nacional. Talvez esteja aí o primeiro grande
equívoco, uma vez que, diferentemente do que acontece nas outras regiões, na Amazônia
o processo de desenvolvimento ainda se encontra em franca discussão.
A insegurança jurídica leva o pretenso proprietário a assumir duas
atitudes perigosas, que obstam qualquer tipo de projeto de desenvolvimento
regional.
Por um lado, ele hesita em tomar qualquer decisão de investimento, já que
receia vir a perder a posse da terra. Como consequência, não aplica o dinheiro
que ganha com a exploração da propriedade rural na consolidação desta e na
ampliação do seu valor patrimonial.
Por outro lado, numa atitude ainda mais prejudicial para o processo de
desenvolvimento, ele se exime de qualquer responsabilidade sobre a forma de
exploração dos recursos florestais ali presentes. Afinal, não considera a terra
que ocupa como seu efetivo patrimônio.
Desmatamento e queimada, problemas que chamaram a atenção do mundo para a
Amazônia, são conseqüências dessa isenção de responsabilidade. Ora, como o seu
direito de propriedade não é reconhecido, o suposto proprietário não pode ser
imputado, seja sob o ponto de vista civil, seja sob o criminal, pelas
irregularidades cometidas na exploração da terra.
Numa espécie de pressão equivocada por parte de ambientalistas desinformados
e mesmo (o que é de espantar) por parte da pasta de Meio Ambiente do próprio
governo federal, a Medida Provisória 458, que instituiu o Terra Legal, foi
apelidada de “MP da Grilagem”.
Especulou-se, com apoio rápido e manifesto de uma mídia igualmente pouco informada,
que a regularização fundiária promovida por meio da referida MP resultaria em distribuição
de terra, ou melhor, no reconhecimento da propriedade de grileiros - que, por
sua vez, teriam usurpado a terra de pequenos produtores pobres e desamparados. (Costuma-se
defender um ideal de pequeno produtor que, muitas vezes, não passa de um ideal
mesmo).
Para responder à pressão generalizada dos que achavam a regularização
fundiária (pasme-se) desnecessária, o governo estabeleceu um rol de regras, a
fim de assegurar que nenhum grileiro – veja bem, nenhum! – fosse beneficiado pelo
processo de regularização.
No final das contas, o resultado (previsível) foi que nem o grileiro, nem
o pequeno produtor ideal, nem o pequeno produtor real, nem o médio e nem o
grande produtor tiveram suas propriedades regularizadas, uma vez que o governo
não conseguiu superar as regras que ele mesmo instituiu.
Sem a regularização fundiária não haverá modelo de desenvolvimento
amazônico baseado na floresta. A conclusão é que continuaremos a esperar a divulgação
da taxa anual de desmatamento.
* Professor da
Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal
e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de
Brasília (UnB).
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