[1] Muito se fala sobre a dita teoria neoclássica. O que ela é efetivamente e o que representa para o mainstream do pensamento econômico? Primeiro é importante lembrar que a teoria neoclássica não é sinônimo do mainstream, ela é a teoria que serve de núcleo analítico para muitos economistas dentro do mainstream, mas não para todos. A grande maioria dos economistas do mainstream não podem ser considerados neoclássicos a rigor, no sentido que aplicam a teoria neoclássica em sua forma pura em todos os casos que analisam (por exemplo, o Krugman não é um neoclássico).
[2] A teoria neoclássica é baseada no individualismo metodológico e no subjetivismo (estático). Ou seja, os fenômenos econômicos são consequência (logo, devem ser analisados) das escolhas que os indivíduos fazem. Esses indivíduos fazem escolhas com base numa estrutura de meios e fins, que é dada a priori. Os meios são limitados e os fins são ilimitados, caso contrário não haveria nenhum problema de escolha: O individuo iria satisfazer todos os seus fins dados meios suficientes.
[3] Indivíduos são racionais, logo qualquer meio disponível sempre será alocado para seu fim mais urgente. Podemos chamar os bens de meios e os fins de preferências. Nesse caso se temos um individuo numa certa situação onde que ele tem três bens a sua disposição A, B e C. Se nessa situação o bem A satisfaz uma preferência mais importante do que o bem B (A é preferido a B) e se o bem B satisfaz uma preferência mais importante do que o bem C (B é preferido a C). Nessa situação o indivíduo racional vai preferir A em relação a C (o axioma da transitividade). Nota-se também que cada unidade adicional de certo tipo de bem será alocada para satisfazer o fim insatisfeito mais importante. Logo a “utilidade” de cada unidade adicional do bem se reduz (ou, no limite, pode ficar constante). Em outras palavras, dado um indivíduo que é indiferente entre duas cestas de bens, x e y, onde que x consiste em três unidades do bem A e uma unidade do bem B e y consiste em apenas uma unidade de A e três unidades de B, então a utilidade marginal de A na cesta x será menor do que na cesta y e a utilidade marginal de B na cesta y será menor do que na cesta x. Como o indivíduo é indiferente entre as cestas x e y, então uma cesta z, composta por duas unidades de A e duas unidades de B, será preferida as outras cestas. Logo, um indivíduo racional sempre vai ter preferências convexas.
[4] Na teoria neoclássica a teoria da produção tem como única função explicar a determinação dos preços dos fatores. Logo é possível compreendermos a formação dos preços dos bens de consumo apenas aplicando as propriedades da escolha individual racional frente a dotações iniciais dadas destes, distribuídas por certa população de indivíduos. Cada indivíduo vai realizar trocas com outros indivíduos quando existirem desproporcionalidades das valorações marginais. Nesse caso existe a possibilidade de ambos ficarem numa posição mais satisfatória apenas trocando bens de suas dotações. Por exemplo, usando as cestas x e y do parágrafo anterior, temos dois indivíduos com as mesmas preferências, mas um deles é dotado com a cesta x e o outro possuiu inicialmente a cesta y. O primeiro indivíduo prefere uma cesta com uma unidade a menos de A e uma unidade a mais de B e o outro indivíduo prefere uma cesta de consumo com uma unidade a mais de A e uma unidade menos de B. Logo ambos podem trocar uma unidade de A por uma unidade de B e cada um ficará com uma cesta z, que é preferida por ambos em relação às cestas x e y.
[5] Os preços então são determinados da seguinte forma: Dado um conjunto de preços no mercado, cada indivíduo vai ofertar bens cuja sua valoração marginal é menor do que a valoração marginal dos bens que ele pode adquirir por esse preço (ou seja, ele vai trocar bens que ele não valora muito por bens que são mais úteis). O processo continua até que as valorações marginais sejam proporcionais aos preços. Nesse caso temos o chamado equilíbrio do consumidor porque nenhum outro plano de ação com relação ao sistema de preços consegue obter um nível de maior satisfação. Na ausência de produção, o comportamento dos consumidores com relação aos preços e as suas dotações determinam o sistema de preços, que iguala as quantidades ofertadas com as quantidades demandadas. No caso, como cada consumidor iguala as proporções dos preços com as utilidades marginais dos bens, os preços de equilíbrio refletem as razões das utilidades marginais de todos os consumidores. Ou seja, se um bem custa mais caro do que outro é porque a unidade marginal desse bem é capaz de satisfazer necessidades mais urgentes dos consumidores.
[6] A estabilidade do equilíbrio é justificada pelo fato de que qualquer discrepância entre as quantidades demandadas e ofertadas no sistema econômico vai gerar um processo de ajustamento em direção ao equilíbrio. Se a quantidade ofertada é maior do que a quantidade demanda, isso ocorre porque o preço do bem é muito alto, a redução no preço vai reduzir a utilidade marginal relativa que o consumo de uma unidade adicional do bem terá que auferir para que ele faça parte de um plano de consumo de equilíbrio. Logo a quantidade demanda pelos consumidores se elevará, equilibrando o mercado. O inverso ocorre quando temos excesso de demanda. Na economia matemática se usam equações diferenciais para modelar esses processos. Noto que essa explicação para a estabilidade do equilíbrio não é muito boa, na verdade ela apenas assume o que deve explicar. Em outras palavras, se prova que o equilíbrio é estável demonstrando que ele é um equilíbrio. É nesse aspecto que Mises e Hayek se diferenciam do resto dos economistas, ao explicarem como o mercado gera um processo equilibrativo.
[7] Aplicando a teoria podemos deduzir que se a quantidade de certo bem no mercado se elevar então a utilidade marginal do bem em relação aos outros bens cairá. E como os preços são proporcionais as utilidades marginais, podemos deduzir que o seu preço de equilíbrio com relação aos preços dos outros bens será menor. Noto que isso ocorre assumindo que a elevação da quantidade existente do bem não afete as utilidades marginais dos outros bens (o que ocorreria se o bem em questão é complementar de outros bens), logo a queda de sua utilidade marginal absoluta vai provocar a queda no seu preço relativo (caso contrário seria possível que sua utilidade marginal relativa pudesse se elevar com o aumento na quantidade ofertada, mesmo que a utilidade marginal absoluta caísse. Nesse caso o bem pode até se valorizar com relação aos outros bens, mas essa é uma situação limite).
[8] Outra consequência interessante da teoria neoclássica é que no equilíbrio as possibilidades de ganho mútuo através da realocação dos bens existentes são esgotadas pelas trocas já executadas. Isso ocorre porque se existe a possibilidade de uma troca mutuamente benéfica ainda não executada, então temos uma discrepância nas razões das utilidades marginais de pelo menos dois consumidores. Mas isso entra em contradição com o equilíbrio do consumidor, já que ao maximizar seu estado de satisfação temos uma situação onde as razões das utilidades marginais de cada consumidor são equivalentes aos preços (que são iguais para todos os consumidores). Em outras palavras, indivíduos racionais jamais vão deixar de realizar uma oportunidade de troca mutuamente benéfica no equilíbrio, já que isso viola uma das definições de equilíbrio de mercado: Que cada plano de ação de qualquer tomador de decisão não deixa de aproveitar qualquer oportunidade de ganho existente. Uma oportunidade de ganho mútuo consiste num estado onde ambos os tomadores de decisão afetados pela existência da oportunidade podem atingir um estado de maior satisfação, logo um plano de ação que deixa de aproveitar essa oportunidade não é um plano de equilíbrio para ambos os indivíduos.
[9] Introduzindo a produção nesse parágrafo explicaremos como ocorre a determinação dos preços dos fatores. Vamos assumir que os indivíduos não são dotados de uma cesta inicial de bens de consumo, mas apenas de fatores de produção, que se combinados podem ser convertidos em bens de consumo. Nesse caso os consumidores demandam fatores de produção que não tem em troca dos fatores que são dotados e com os fatores que acabam adquirindo no mercado produzem os bens de consumo de que necessitam. Nesse caso os indivíduos vão atribuir aos fatores o valor que atribuem aos bens de consumo que correspondem ao produto marginal de seu emprego. Logo, estendendo a teoria do tomador de decisão racional para esse caso um pouco mais complexo, deduzimos que os preços de equilíbrio dos fatores de produção serão proporcionais as suas produtividades marginais, em relação aos outros fatores de produção, e serão iguais aos preços de seu produto marginal (caso contrário os consumidores iriam comprar o produto marginal ao invés do fator se ele fosse mais barato, ou o contrário, caso o produto marginal fosse mais caro do que o fator, logo no equilíbrio eles se equalizam). Por exemplo, essa teoria explica porque que os trabalhadores ganham segundo sua produtividade (o que explica porque a imposição de um salário mínimo gera desemprego involuntário). Demonstro que apenas retornos constantes em escala, no sentido econômico do termo, são admitidos pela teoria, já que se tivermos retornos decrescentes em escala um tomador de decisão racional não vai produzir nessa escala, mas vai distribuir os fatores em múltiplas unidades físicas. Retornos crescentes em escala no sentido que um aumento nas quantidades físicas dos fatores implica no aumento mais do que proporcional do produto, consistem no caso da existência de fatores diferentes de produção. Por exemplo, uma planta grande eficiente e uma planta pequena ineficiente não são formadas por uma mesma cesta de fatores em escala diferente, mas na verdade consistem em fatores de produção diferentes, no caso a planta grande terá seu preço de equilíbrio com relação a planta pequena mais do que proporcional as quantidades físicas dos fatores, sendo proporcional a sua produtividade. Isso ocorre porque como o valor é subjetivo os indivíduos diferenciam os fatores de produção não pela sua produtividade física, mas pela sua capacidade em ser transformado num bem de consumo.
[10] A existência do fenômeno dos juros também é explicada de forma satisfatória pela teoria neoclássica, nesse caso apenas estendemos a análise para a escolha intertemporal. Quando o indivíduo escolhe no tempo suas preferências consistem na taxa de desconto que ele atribui com relação ao consumo futuro e em comparação com o consumo presente (ou seja, a taxa de desvalorização do futuro em relação ao presente). Nesse caso a taxa de juros para empréstimos representa o preço do tempo, o indivíduo vai tomar recursos emprestados quando a utilidade marginal do consumo presente é maior do que a utilidade marginal do consumo futuro mais os ganhos com os juros. No equilíbrio desse indivíduo a taxa de substituição intertemporal no consumo se iguala a taxa de juros. No caso da produção temos que a acumulação de capital de equilíbrio satisfaz a condição de que a taxa marginal de ganho em produtividade intertemporal se iguala a taxa de juros. Logo os juros são determinados pelas preferências temporais dos consumidores e pelas possibilidades intertemporais de produção. E concluindo: A teoria neoclássica não é incompatível com a austríaca, a verdade é que os resultados da teoria neoclássica consistem em um caso especial da teoria austríaca. Esses resultados se aplicam para os austríacos quando temos um estado onde que os indivíduos possuem conhecimento perfeito com relação ao framework de meios e fins com que se defrontam.
Adaptação do texto de RAFAEL GUTHMANN
IDAILDO SOUZA DA SILVA
ECONOMISTA